sábado, 2 de julho de 2011

"Eu Não Me Lembro..." - depoimento surpreendente de uma criança.



Em dois posts anteriores, De Hollyood para o Mundo Animal 1 e 2, escrevi sobre a África. No primeiro, relatei que tinha ido à Copa do Mundo de 2010 e sugeri filme e livros sobre Mandela. Lembrei que visitei o famoso bairro de Soweto, que ficou conhecido pela resistência dos sul-africanos negros ao regime do apartheid.
Hoje, vou compartilhar como consegui aquela proeza inesquecível.
Já deu para notar que uma das minhas paixões é o futebol. Timidamente, aqui e ali, escrevo algo sobre este esporte mágico e sedutor.
Fui uma criança como muitas pelo mundo afora. A bola era mais que um brinquedo.
Na infância e juventude, o futebol exerceu uma influência extraordinária em minha vida. Jogador amador de botão, eu tinha "estádio" em casa e fui um razoável aprendiz do talento de meu pai, Douglas Furtado, para o futebol de mesa.
Um dos meus sonhos era ser um jornalista esportivo. Como descobri cedo que ser um jogador  não seria muito fácil, ficar ao lado do campo, vendo treinos e jogos, parecia-me  uma compensação inteligente.
Fiz o curso de jornalismo, mas a carreira não teve início, por razões que não importam agora.
Eu prometi à minha filha mais nova, em 2007, que iríamos à Copa da África do Sul. Mas a promessa era mais um sonho do que um projeto. Não dispunha, como até hoje, patrimônio para tal ousadia, especialmente a de levar a família.
Entretanto, aquele menino apaixonado ressurgiu. Como um fantasminha, apareceu e disse:
-  E ai, mais uma Copa e nada. Tu és só conversa e sonho.
Eu respondi:
- É... Tu tens razão. E eu parecia tão convencido quando prometi para Tamires que nós iríamos.
Mas ele não se convenceu e introduziu uma ideia infantil em minha cabeça:
- Cara, por que tu não procuras um concurso pela internet. Desses que tem que escrever alguma coisa, adivinhar outra?
Minha mente infantil despertou. Valeu "fantasminha". Vamos para a internet.
Sentei e comecei a entrar em todos os sites de programas esportivos das redes de TV. Procurava um concurso cultural, nada de pura sorte. Tinha que ter disputa, ideias, escrever alguma coisa, enfim. O garoto apaixonado agora estava animado.
Encontrei uma promoção no site do ESPN. O Canal levaria dois brasileiros, com acompanhante, para passar sete dias na África e assistir ao jogo do Brasil pelas oitavas-de-final com tudo pago e mais 500 dólares. Caso a seleção não chegasse lá, outro jogo seria o consolo. Que consolo!
A pergunta do concurso era:
“Como o futebol faz você esquecer de tudo?”
As duas respostas a serem escolhidas deveriam ser criativas, bem escrita etc. As exigências típicas em concursos assim.
Respirei fundo e decidi que eu ia à Copa. Vale aqui frisar esse ponto: a primeira medida tomada foi escolher que eu ia ganhar. Participar não tinha graça nenhuma.
As primeiras frases que escrevi eram péssimas, longas e óbvias. Tomei a decisão de parar, relaxar e recomeçar depois. Eu sabia que tinha que escrever algo arrebatador, definitivo, embora eu não soubesse exatamente o quê.
Pensando bem, para um apaixonado (e  criança) não é tão fácil responder àquela pergunta. É difícil explicar através de uma frase, disputando uma “vaga” para a Copa, algo que é tão pessoal.
Fiquei olhando para a pergunta detidamente. Esse tal de “como” tornava a coisa mais difícil. Se fosse “por que” talvez surgisse uma resposta inspirada.
Aí eu conclui que não sabia explicar como eu “esquecia de tudo” e me veio a única resposta sincera e bem infantil:
“Eu não me lembro”. Afinal , eu esqueço de  tudo...queria dizer.
Caracas... É isso!  Como é que eu vou me lembrar se o futebol me faz esquecer de tudo?
"Lasquei" a frase sozinha e depois completei a explicação:"Eu esqueço de tudo".
Comuniquei em casa a minha decisão e relatei a frase mágica.
Minha mulher riu, mas riu mesmo e ainda perguntou se eu achava  que poderia ganhar. Ela foi franca e razoável.
Mas eu tive apoio e uma esperança vindos da Tamires: “Pai, legal”.
Eu decidi que minha frase era boa e competitiva. Disse com certeza e não escrevi mais nenhuma. Eu sabia que havia ganhado e ainda pensei (criança é fogo): Quando essa turma do ESPN  ler a resposta ,  vai dizer  "essa é a frase do concurso".
Eu escrevi mais ou menos vinte dias antes do término do concurso. Por alguns dias até esqueci. Naturalmente, no dia do resultado entrei em minha caixa de e-mail atrás da mensagem da vitória. Nada. Eu deveria esperar até o final do dia e,  relendo o regulamente, vi que poderia ser avisado também por telefone.
O dia passou. Chegou a noite. Sentei para assistir televisão e a cabeça do adulto não permitiu que a criança lembrasse o concurso. Sinceramente, eu ia dormir na noite da revelação e talvez só lembrasse no dia seguinte.
Meu celular estava sobre a mesa. Lá pelas nove, em plena novela, ele toca. Atendi automaticamente. Do outro lado da vida, diz uma voz feminina:
-Esse celular é do Danilo?
-Sim, é ele. Quem fala?
-É do departamento de marketing de uma empresa de São Paulo. Você tem um minuto?
-Olhe, desculpe-me, mas eu não estou interessado em nada. Que empresa é?
-Danilo, calma. Responda a pergunta que eu vou lhe fazer: Como o futebol faz você esquecer tudo?
Silêncio. O total silêncio que um ser humano pode “escutar”. Coração disparou, mas o garoto não ia perder a pergunta:
- “Eu não me lembro”, disse com coragem e uma cara de espanto.
-  Você esquece de tudo, não é? completou do outro lado a voz feminina.
O que se seguiu, minha gente, foi uma alegria, uma perplexidade em casa, um tal de olhar um para o outro, não dá para descrever. Imaginem.
A paixão venceu.
Passou um filme pela minha cabeça desde a infância. Foi, sim, uma das noites mais felizes na vida daquele menino tímido, que dormia com a bola e não desgrudava do rádio de pilha com que ouvia todos os programas  sobre esporte e só dormia depois as 23horas, pois esse era o horário da última resenha da Rádio Globo. Ele ouvia, de novo, tudo que já sabia sobre o Fluminense e os demais times.
Naquela noite, eu aprendi uma das mais importantes lições de minha vida e que compartilho como uma recomendação:
“Mantenha viva a criança que você foi um dia. Ela é a sua única parte que sonha sem limites, com toda inocência, sem  medo e culpa”.
A viagem foi uma aventura maravilhosa, repleta de surpresas.
Prometi para Tamires, cheio de certeza, que ela vai à próxima Copa do Mundo.


Segundo gol do Brasil contra o Chile (3x0). Luis Fabiano, encoberto pelo número  5, vai tocar a bola para o gol, depois de driblar o goleiro. Kaká está à sua direita e Robinho acompanha pela esquerda. Estádio Ellis Park,  Joanesburgo.
Foto  de Rosane Furtado, minha mulher e acompanhante.


Nenhum comentário:

Postar um comentário